E se eu não quiser um nome masculino ou feminino para a minha criança?

em 11/07/18


A questão da autodeterminação da identidade de género está outra vez na ordem do dia e, por isso, este é o momento ideal para dar espaço aqui no blog a uma reflexão que a Vanessa Pereira, psicóloga de formação, partilhou comigo e que gostava de vos dar a conhecer. Então, e se ela não quiser escolher um nome marcadamente masculino ou feminino para a sua criança? 


Nos EUA, por exemplo, os nomes unissexo têm cada vez mais mais adeptos [para ser mais exacta, os nomes masculinos usam-se cada vez mais em meninas e há nomes que antigamente se usavam exclusivamente em meninos e que, agora, se usam predominantemente em meninas], mas cá isso não acontece e as leis em vigor também não dão grande margem de manobra. Já abordamos o tema neste post, por exemplo, mas a Vanessa sugere a leitura de um trabalho de Ana Cristina Santos e Ana Lúcia Santos, intitulado "O nome que não ousa dizer da intimidade: um estudo exploratório sobre nomeação" - se tiverem um tempinho livre, leiam mesmo, está estupendo! Sendo um pouco extenso, a Vanessa fez um resumo livre do mesmo, retirando excertos e destacando as ideias que lhe parecem centrais: 


«O nome é um elemento central da apresentação do eu na vida de todos os dias. (…) Transporta consigo expectativas sociais que comportam elementos tão diversos quanto a nacionalidade, o género, a origem étnica, herança religiosa ou a classe social».

Se atendermos ao género, que é o que importa para o caso, o Código de Registo Civil (CRC) português refere claramente que os nomes não podem suscitar dúvidas em termos de género, o que vem reforçar uma concepção binária (e polarizada – acrescento eu) em torno do termo “género” e claramente associada ao sexo com que uma pessoa nasce. Assim, excluímos do direito à autoidentificação as pessoas que se situam num género que não (só) o feminino ou (só) o masculino, por exemplo, pessoas de género fluído ou neutro.

A política portuguesa de atribuição de nome, ao determinar que o nome não deva suscitar dúvidas quanto ao sexo da pessoa, «torna-se numa ferramenta do regime sexo-género dominante, que se caracteriza pela conformidade ao sexo» com que se nasce.

Mesmo quando se pode optar por um nome composto de dois vocábulos, um “feminino” e outro “masculino”, o primeiro deve ser o marcador do género. E, então, claramente se identifica um menino João Maria ou uma menina Maria João. Por conseguinte, não avançamos aqui. Tudo permanece igual, ou seja, o nome subordinado a uma característica biológica.

Com isto presente, facilmente compreendemos que nomear uma pessoa por aquilo que ela não é pode constituir-se como um ato de violência.

Na verdade, os seres humanos são «vulneráveis perante a linguagem, como se ela tivesse capacidade de ação sobre nós e isto acontece porque somos seres formados nela. A primeira ferida linguística é o ato de nomeação, isto é, dar nome às coisas ou aos seres. Este torna-se um evento traumático porque ocorre contra a vontade do sujeito», precede a sua vontade. «É um ato recebido passivamente, mas indispensável para se obter reconhecimento social, poder ser diferenciado/a de outras pessoas e obter direitos de cidadania».

Não sendo escolhido pelo indivíduo, o nome pode, por exemplo, enquadrar alguém numa religião que não professa ou, no caso que debatemos, num género que não corresponde à sua identidade.

Surge então, a primeira pergunta:

Se uma família não quiser “marcar” uma criança com um género binário – masculino ou feminino – , optando por não condicionar a sua identidade de género pelo sexo com que nasceu e pelo nome que a lei “obriga” a que seja associado a esse sexo, que opções de nomes “neutros” ou “não-binários” é que poderá ter? 

E mais:

Se os nomes próprios não devem suscitar «dúvidas quanto ao sexo do registando» (art.º 103,º do CRC de 1995), que nome atribuir a uma criança nascida intersexo?

A nova proposta de lei da identidade de género prevê que não se realizem (excepto quando necessários por questões de saúde) procedimentos cirúrgicos e outros a crianças que nasçam com características sexuais masculinas e femininas. Ora, se o sexo não é um ou outro, mas um terceiro, como fica a questão do nome que, persistentemente, assenta no modelo binário de género, e não contempla outras existências, outras identidades?


O tema é complexo e tenho medo de meter os pés pelas mãos com os conceitos, mas neste momento, vou tentar dar resposta a esta  primeira questão: que nomes actualmente admitidos em Portugal poderiam ser considerados neutros? Tendo em conta que, até ao momento, os nomes estão mesmo divididos por género na lista oficial, e tendo por base aquilo que diz a lei, estes são os nomes que podem ser registados nos dois géneros: 

  • Adama
  • Aléxis, Alexis
  • Álison
  • Ami
  • Amrit 
  • Andrea
  • Angel
  • Ariel
  • Arsh
  • Ary
  • Ashley
  • Ayan
  • Bhavnoor
  • Bryan
  • Carlos
  • Charlie
  • Cheng
  • Cheok
  • Chi
  • Destiny
  • Dione
  • Eden
  • Elia
  • Elioenai
  • Elsa
  • Ezra
  • Fábio
  • Fateh
  • Gael
  • Gianny
  • Hargun
  • Harjot
  • Harkirat
  • Harnoor
  • Harper
  • Heer
  • Hinal
  • Hoi
  • Ian
  • Iat
  • Jasmim
  • Joaquim
  • José
  • Juno
  • Ka
  • Kai
  • Kaylen
  • Kellen
  • Kenzi
  • Kiamy
  • Kiany
  • Kiesse
  • Laurent
  • Lenin
  • Lia
  • Lok
  • Lucca, Luka
  • Luís
  • Lyan
  • Mamadou
  • Man
  • Manel
  • Mel
  • Michell
  • Nadir
  • Nicol
  • Nihal
  • Nikita
  • Noa
  • Noah
  • Otchali
  • Rafa
  • Raul
  • Raven
  • Rayane
  • Reece
  • Rio
  • Rubi, Ruby
  • Sacha, Sasha
  • Sáli
  • Sam
  • Si
  • Sónia
  • Soraia
  • Stéphane
  • Sukhmeet
  • Sury
  • Umaro
  • Victória
  • Vivian
  • Weng
  • Wyatt
  • Yacine
  • Yani, Yanni
  • Yu
  • Zoé


Destaquei a negrito os que me parecem mais usáveis. 
Acho que esta lista explicita bem o problema com que os pais se deparariam: tem vários nomes que, apesar de admitidos nos dois géneros, me remetem claramente para um deles e que até me levam a pensar que possam estar na lista oficial por lapso. Tem nomes que poucos cidadãos portugueses saberiam ler ou escrever; nomes que pertencem a outras culturas. E tem nomes que parecem mais adequados para personagens do que para crianças reais.

Estendendo a pesquisa às listas antigas de nomes aprovados em Portugal, encontramos seis nomes com indicação de que podem ser usados nos dois géneros: 
  • Gileade
  • Indra
  • Guimar
  • Salma [está na lista atual de nomes femininos]
  • Santana
  • Rosário [está na lista atual de nomes femininos]


E nessas listas anteriores, há ainda alguns nomes sem indicação de género e que acho que poderiam funcionar como unissexo: 

  • Amável
  • Bérnia
  • Chema
  • Dagmar
  • Florença
  • Ione
  • Liberdade
  • Zola & Cris, que eram apenas admitidos como segundo nome


Esquecendo agora a determinação pré-estabelecida pelo IRN para cada nome, e sublinhando a ideia de que é extremamente difícil olhar para os nomes mais comuns em Portugal sem o associar a um género específico, gostava de deixar algumas sugestões de nomes potencialmente unissexo: 

  • Abril
  • Amal
  • Anis
  • Azaria
  • Azul
  • Benny
  • Carmo
  • Carmim
  • Dakota
  • Elis
  • Fénix
  • Gabi
  • Goa
  • Jael
  • Juli
  • Kenzi
  • Leny
  • Lisbon
  • Loide
  • Lou
  • Lumi
  • Madu
  • Mali
  • Maré
  • Mor
  • Muriel
  • Nael
  • Nené
  • Nola
  • Nuri
  • Paris
  • Remi
  • Romy
  • Rey
  • Sari
  • Sky
  • Suriel



Se precisarem de consultar a lista do IRN para perceber que género lhes está atribuído, é porque provavelmente poderiam passar mesmo por unissexo! 


7 comentários:

  1. Post muito interessante, Filipa! Acho que a questão dos nomes e do género ainda vai dar que falar, se bem que a língua portuguesa não é muito favorável a um terceiro genéro. Os nomes indicados parecem-me quase todos ainda muito “estranhos”. Há poucas opções que não façam de um nome unissexo algo esquisito. Ainda assim, acho que há alguma potencialidade em nomes ligados à natureza, como o Maré ou o Rubi que indicou. Até porque muitos nomes literais da natureza são novidades (por exemplo Concha) e por isso têm menos estereótipos associados, acho eu. Lótus parece-me uma boa opção! Outras possibilidades (não aprovadas, acho) são Mar, Silvestre e Sol. Agora não encontrei mais, mas também não procurei com muito afinco. Enfim, este é um assunto muito pertinente!

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  2. Obrigada por expor este tema tão interessante.

    Já considerei este problema e como os nomes unissexo não me agradam, a minha solução ficou-se pelos diminutivos/alcunhas. Afinal, este últimos são tão importantes como os nomes e, muitas vezes, são aqueles com que nós nos identificamos e, para todos os efeitos excepto os oficiais, são a nossa identidade para aqueles que nos rodeiam.
    Proponho algo como fez o filho da cantora Cher: recebeu o nome Chastity e alterou o nome para o seu diminutivo Chaz.

    Estes são diminutivos "unissexo". Assim, a criança teria uma identidade asociada com o diminutivo e, se mais tarde precisasse de alterar o nome, o processo passaria "apenas" por alterar/adicionar/retirar letras, mas a mudança do nome oficial não seria drástica.

    Alex, Sasha - Alexandre, Alexandra
    Toni - António, Antónia (embora remeta mais para o masculino)
    Cris - Cristiano, Cristiana
    Dani - Daniel, Daniela
    Edu - Eduardo, Eduarda
    Fred, Freddie - Frederico, Frederica
    Gabi - Gabriel, Gabriela
    Lu - Luís, Luísa
    Manu - Manuel, Manuela
    Rafa - Rafael, Rafaela
    Vic - Victor, Victória

    Existem outros exemplos, estes que exigem mais do que mudar o nome para a sua versão oposta, mas cujos diminutivos são unissexo.

    Gui - Guilherme, Guiomar
    Isa - Isaac, Isabel, Isadora... (embora remeta mais para o feminino)
    Ju, Jó e similares - João, Joana, José, Jorge...
    Léo, Leo - Leonardo, Leonor
    Mat - Matias, Matilde, Mateus...
    Micas - Miguel, Micaela

    Claro, esta solução não é o que muitos procuram, um nome oficialmente unissexo. Todavia, tendo em conta o panorama corrente da nossa lei e as nossas opções "unissexo", é uma solução pragmática.

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  3. Conheço uma menina Suíça chamada Juno. Para mim não consigo associar o nome a uma menina, pois remete me sempre para um menino devido a sua terminação (o).

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  4. Adicionava Jade e Kelly também

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  5. Um dia verei Juno como nome masculino. Até lá é uma deusa. Falando em deusas, Ártemis, funciona ok em um menino - temos a série de livros Artemis Fowl para comprovar.
    Compartilho os nomes de minhas tias como opções unissexo - Lóide e Adair.
    Gosto de Isa como apelido de Isidoro, mas recentemente descobri que Isa -por si só- é um nome árabe que se refere a Jesus.

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  6. Acho este um tópico muito interessante e que merece ser discutido. Parabéns pela iniciativa!

    Eu gostava imenso de dar um nome unissexo ao meu futuro rebento. Gosto bastante de “Hariel” (sim com “H”, como o anjo), mas o meu marido não é muito fã. Pessoalmente, adoro nomes compridos e sonantes (como Henrique, Guilherme, Francisco/Francisca, Benedita…).

    A questão do “nome unissexo” é relevante, precisamente, por questões de género. Mesmo sendo uma mulher heterossexual apoio o movimento LGBTIA+, até porque grande parte dos meus amigos têm identidades sexuais e de género fora da heterossexualidade. Deste modo, a questão de um filho ou filha poder vir a ser trans (ou seja, não nascer no corpo da sua identidade de género) é-me algo próximo e um nome unissexo poderia resolver-lhe muitos conflitos. Contudo, uma pessoa nunca sabe o dia de amanhã, não é mesmo? E se o meu filho sempre se sentir homem ou a minha filha sempre se sentir mulher? A verdade é que os nomes unissexo são pouco comuns e não sei até que ponto seriam os favoritos das próprias crianças. Apesar de adorar “Hariel” (e ter conhecido um menino aqui há uns anos com esse nome), brincadeiras com o nome do detergente e da Pequena Sereia seriam quase óbvias.

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  7. Olá! Estou grávida e deparo-me precisamente com este problema. Ainda não decidimos se queremos saber o sexo do bebé, e gostariamos sem dúvida de escolher um nome neutro, independentemente do que nos calhar na rifa :) O que acha de Gaia ou Duda? Quanto mais penso neles, mais os vejo para os 2 sexos, mas se entretanto a lista de nomes permitidos para ambos os géneros não foi actualizada, não nos safamos.. Dessa lista, exluindo os que claramente apontam para 1 dos generos, o único que não desgosto é Juno. Estamos inclinados para escolher um nome cujo diminutivo seja neutro, tipo Fred, ou outros tal como um anónimo sugeriu neste post, mas não deixa de ser frustrante esta limitação.
    Parabéns pelo blog, estou viciada a ler imensos posts antigos :)

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Num blog sobre nomes, vai mesmo optar por ser apenas Anónimo? :)